terça-feira, dezembro 30, 2014

A cor do hibisco



Autor: Chimamanda Ngozi Adichie
Género:
Romance
Idioma: Português

Páginas: 270
Editora:
Edições Asa

Ano:
2010
ISBN: 978-989-2308531
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No Natal passado, entre outros, foi-me dado este livro, que tem estado na estante à espera que lhe pegue. Quando vi na livraria o romance Americanah, da mesma autora, hesitei na compra, porque nunca tinha lido nada de Chimamanda. Decidi ler este primeiro antes de fazer o investimento.
 
A cor do hibisco passa-se na Nigéria, de onde a autora é originária. A história é narrada do ponto de vista de Kambili, de 14 anos, cujo pai é um respeitado membro da comunidade e um católico praticante fervoroso. Fora de portas, tudo aparenta ser idílico, mas no seio familiar, Kambili, o irmão Jaja e a mãe Beatrice sofrem na pele o controlo e fanatismo do chefe de família. Eugene, o pai, é um homem de negócios inteligente, cuja riqueza providencia um conforto raro na Nigéria, e pratica o bem com generosos donativos e abrindo as portas a quem precise; em casa, é um pai exigente e um marido intransigente, com domínio total sobre a mulher e os filhos.
 
Mas a Nigéria passa por tempos políticos agitados e o jornal que Eugene patrocina é uma das vozes discordantes do regime, levando a pressões constantes e até ameaças. Numa dessas ocasiões, Kambili e Jaja vão passar uns dias com a tia e descobrem um convívio mais salutar, que não têm em casa. É a partir daí que tudo muda, tornando a violência paterna intolerável, e abrindo as portas a uma diferente forma de ver e de estar no mundo para Kambili e para Jaja.
 
A autora escreve com uma leveza e musicalidade invulgares (li no original, em inglês) e gostei da inclusão de algumas expressões em igbo (dialecto sul nigeriano). Há cenas violentas escritas com uma elegância que equilibra o tom e o conteúdo. Chimamanda sabe o que faz! Fiquei muito impressionada e pretendo ler outros livros dela, incluindo o Americanah que cobiço há meses.

Uma autora a descobrir (tem quase toda a obra traduzida cá) e A cor do hibisco um bom livro para começar.

****
(bom)

sábado, dezembro 13, 2014

O pecado de Porto Negro


Autor: Norberto Morais
Género:
Romance
Idioma: Português

Páginas: 432
Editora:
Casa das Letras

Ano:
2013
ISBN: 978-972-4622439
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O pecado de Porto Negro foi um dos finalistas do prémio literário Leya 2013, no ano em que ganhou o romance Uma outra voz, de Gabriela Ruivo Trindade. Não li este último nem teria tido a oportunidade de ler este, não fosse uma querida colega de trabalho me ter alertado da sua existência (e mo ter gentilmente emprestado).

Segundo romance do autor Norberto Morais, nascido em Calw, O pecado de Porto Negro é uma história de amor, ciúme e vingança, narrada com pormenores deliciosos e uma linguagem exuberante, onde o autor brilha na forma como domina a língua portuguesa e a narrativa, uma demonstração impressionante coroada por passagens que dá gosto ler e reler, o que revela um talento notável para a escrita (de apontar, contudo, nos capítulos iniciais, a repetição de uma expressão que se torna cansativa mas que poderia ter sido evitada por um editor mais sagaz, mas que em nada diminui a qualidade global).

Passada na ilha fictícia de São Cristóvão (algures na América Central), a história remete-nos para os cenários míticos das telenovelas brasileiras das décadas de 80 e 90: climas quentes que atiçam mentalidades conservadoras e (pseudo)religiosas, personagens apaixonadas e apaixonantes que vivem o dia-a-dia com simplicidade e um toque de pimenta, numa combinação irresistível de cheiros, cores e sentidos.

É neste cenário que encontramos o mulherengo Santiago Cardamomo, a tímida Ducélia Trajero e o manhoso Rolindo Face, um trio de protagonistas sólido secundados por um grupo ainda mais admirável: o travesti Chalila Boé, o frio Tulentino Trajero, a implacável madame Cuménia Salles, o sensível Cuccécio Pipi, entre muitos outros, numa galeria notável tão colorida como os seus nomes (adoro os nomes neste livro, geniais!). Norberto Morais dá-lhes vida num colorido linguístico que dá gosto seguir, numa trama bem imaginada.

Há muito pouco que possa acrescentar ao que dezenas de leitores já fizeram melhor do que eu: O pecado de Porto Negro é maravilhoso e prova de que há excelentes novos autores lusos para descobrir

Tendo em conta a época, fica a recomendação de um excelente presente para um amante de bons livros.

Leiam um excerto aqui.

*****
(muito bom)

domingo, novembro 23, 2014

Encontro em Bagdad / A Ratoeira


Autor: Agatha Christie
Género:
Policial
Idioma: Português

Páginas: 338
Editora:
Livros do Brasil

Colecção: Vampiro Gigante
Ano:
1982
ISBN: 978-972-3803549
Título original: They came to Bagdad / The mousetrap
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Alguns anos da minha adolescência foram passados a ler Agatha Christie, na altura editada pela Livros do Brasil na colecção Vampiro Gigante.

Passadas tantas décadas, a Dama do Crime continua a reinar. Os seus livros têm reedições frequentes, adaptações televisivas e teatrais e até videojogos. As obras da inglesa são intemporais, valem por si só e são um prazer de (re)encontrar. É muito raro eu reler seja o que for, mas abro uma excepção para a galeria de personagens de Agatha Christie (Poirot é o meu detective favorito).

Neste livro, a autora mostra como é versátil. Nenhuma das histórias tem os seus detectives de serviço mas mantêm a qualidade habitual.

Encontro em Bagdad é uma história de intriga internacional, centrada na jovem Victoria Jones, com tanto de imaginativa como de ingénua. Farta de ser uma estenógrafa medíocre (que lhe garante empregos a condizer com a qualidade do seu trabalho), viaja para um país desconhecido para seguir um rapaz com quem trocou meia dúzia de palavras um dia, no parque. Chegada ao Iraque, vê-se envolvida numa situação de vida e morte para o qual não está preparada e que envolve espiões e uma trama política elaborada.

A Ratoeira é um clássico whodunit, onde um grupo de estranhos está fechado num hotel durante uma tempestade, quando uma das hóspedes é assassinada. Esta história, adaptada ao teatro, está há 62 anos em cena; no final de cada espectáculo, é pedido ao público que não revele a identidade do assassino, mas qualquer fã que se preze sabe ao que vai. Uma história cheia de suspense onde o talento da escritora brilha alto.

Agatha Christie foi um portento, com as suas obras recriadas por inúmeros escritores. Não há maior elogio a um autor.

****
(bom)

quarta-feira, novembro 12, 2014

Em busca da identidade - o desnorte


Autor: José Gil
Género:
Ensaio
Idioma: Português

Páginas: 64
Editora:
Relógio d'Água

Ano:
2009
ISBN: 978-989-6410834
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José Gil, catedrático em Filosofia, considerado por um seminário francês um dos 25 grandes pensadores do mundo, incendiou vários discursos há uns anos aquando da publicação de Portugal Hoje - o medo de existir

Nunca li o livro, mas lembro-me da agitação causada pelo mesmo, onde José Gil indignou muita gente (que se expressou de uma forma mais ou menos douta) ao falar sobre o pessimismo e a mentalidade reinantes no nosso país, apontando dedos ao período do Salazarismo como causador dos principais traços negativos dos portugueses: somos invejosos, corruptos, chico-espertos, medrosos.

Isso foi noutro livro, mas quando tive a oportunidade de ler este Em busca da identidade - o desnorte, achei que era uma boa oportunidade de ler um autor que já andava a adiar há algum tempo.

O autor considera que «fizemos da identidade o território da subjectividade» e «esforçamo-nos por resistir ao "fora" que aí vem, do exterior ou do interior, que ameaça destruir as nossas velhas subjectividades». Assim, diz José Gil, a única maneira de remover o obstáculo da «identidade» é «deixarmos de ser primeiro portugueses para poder existir primeiro como homens».

A primeira ideia é que este não é um livro para todos. Porquê? Porque as ideias-chave são baseadas em ideias de dois filósofos, Foucault e Ferenczi, cujas possibilidades de terem sido estudados por alguém exterior ao estudo da Filosofia são mínimas (pessoalmente, tenho uma ideia muito vaga de Foucault, tão vaga que não reconheci algumas das ideias que lhe são atribuídas no livro), colocando o leitor numa corda bamba, incerto de como avançar. José Gil explica os conceitos em que apoia o seu discurso, mas isso não torna o que tem para dizer mais interessante (ou claro).

«Há qualquer coisa na sociedade portuguesa que se volta contra os próprios portugueses. (…) O comum do espírito português é pequenamente pragmático – o dia-a-dia. (…) Apenas sei que traz consequências muito nefastas para o trabalho, para o enraizamento de uma certa cultura de elite em Portugal. (…) Gostamos do lazer, o que é bom porque não sofremos do stress do trabalho. Mas porque é que os portugueses gostam de continuar na inércia? É o pequeno gozo das coisas, aquilo que chamo chico-espertismo. Trata-se de uma forma de fuga ao trabalho e, paradoxalmente, de afirmação. Por essência o português não é preguiçoso – quando emigra é dos melhores trabalhadores. Mas cá ainda vivemos numa espécie de ninho, onde o lazer está na ordem das preferências.»

Como leiga no assunto tratado (partindo de conceitos de Foucault e Ferenczi), não consegui extrair muita coisa do livro; li-o atentamente, percebi a maioria do que foi dito mas não lhe achei grande relevância. Do meu ponto de vista, isso atribui-se a dois aspectos de igual importância: 1) não sou o público-alvo deste livro, e 2) o enfoque do livro no chico-espertismo português não foi tratado de uma forma que me interessasse e surpreendesse. O autor questiona mas não dá sugestões de mudança, fala da incompetência política e de como o apelo às massas se baseia numa estratégia da imagem e do discurso (o ex-primeiro-ministro José Sócrates é mencionado nesse sentido) mas nunca avança uma ideia concreta. É tudo demasiado abstracto para mim, o que se traduziu em alguns bocejos.

Não o recomendo nem deixo de recomendar... foi uma leitura morna que não me deu norte.

***
(mediano/razoável)

domingo, outubro 26, 2014

Tampa


Autor: Alissa Nutting
Género:
Romance
Idioma: Português

Páginas: 286
Editora:
Divina Comédia

Ano:
2013
ISBN: 978-989-8633330
Título original: Tampa
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Celeste Price tem 26 anos e o seu emprego de sonho: professora de Inglês do ensino secundário. Apesar de ser invulgarmente atraente e ter o conforto financeiro que o seu casamento com um tipo endinheirado lhe confere, Celeste só se sente bem no liceu, rodeada de rapazes de 14 anos, por quem tem uma secreta obsessão sexual.

Sob todo o aprumo e educação, Celeste é uma predadora. Quando decide seduzir Jack, o jovem sente-se nas nuvens, mas não tarda a afundar-se; à medida que a novidade esmorece e o corpo do rapaz começa a ganhar contornos de adulto, Celeste começa a perscrutar as turmas em busca de uma próxima conquista.

A primeira coisa que me chamou a atenção foi a capa, que é genial! Os olhares de curiosidade nos transportes públicos são a prova de que uma imagem vale mesmo mais que palavras...

O livro ser contado do ponto de vista de Celeste é interessante. Sempre achei perturbante ler ou ver algo que tivesse a ver com pedofilia, mas a pedofilia no feminino é um tema pouco debatido e achei que vindo de uma autora que é professora de escrita criativa, teria a rara oportunidade de ler uma história complexa e perceber o que poderá passar-se na mente de uma pedófila.

A autora escolheu aprofundar outros aspectos e o que temos é uma história narrada em tom ligeiro, com linguagem gráfica e muitas descrições sexuais, ao ponto de o livro - espremido - ser apenas isso. De Celeste apenas percebemos que é loura, depravada e de um calculismo atroz. Tudo o que faz e diz é pensado para atingir a satisfação sexual, não restando mais nada.

A autora explora pouco a psique da condição e trata a doença de Celeste como se fosse uma obsessão por álcool ou drogas, estando mais preocupada com o aspecto sensacionalista. As personagens são uni-dimensionais e quando existem situações de elevada carga emocional, a autora limita-se a descrever o «silêncio atónito» e os «olhares incrédulos», descrições pobres perante a magnitude do que se está a passar. A protagonista é uma sociopata e adepta de hebefilia (não uma pedófila); a sua total falta de empatia é assustadora e os capítulos finais, apesar de superficiais, resumem bem a sua vida patética.

Confesso que estive, por duas vezes, para pôr o livro de lado. Com tantos livros bons à espera, não preciso de andar a fazer fretes, mas a curiosidade levou-me a melhor; estive à espera de uma história que não aconteceu.

Fica a certeza que o tema foi tratado de forma trivial e um pretexto para cenas-choque. Não duvido que o livro seja falado e publicitado, mas num par de meses ninguém mais vai se lembrar dele.

**
(fraco)

domingo, outubro 12, 2014

Sempre o diabo


Autor: Donald Ray Pollock
Género:
Literatura
Idioma: Português

Páginas: 312
Editora:
Quetzal

Ano:
2014
ISBN: 978-989-7221545
Título original: The devil all the time
Tradução: Maria do Carmo Figueira
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Estamos na América rural, bem a sul, onde se mede a decência das pessoas pela frequência com que frequentam a igreja e pelo cuidado com que mantêm as aparências. 

Willard Russell é um veterano atormentado pela carnificina da guerra, que vive para a mulher, educando o filho Arvin com dureza e pouco afecto. Carl e Sandy são um casal de assassinos em série, cuja ideia de umas férias bem passadas é dar boleia a rapazes  bem-parecidos antes de os matar, fotografando-os na sua agonia. Lee é um polícia sujo, a quem todos olham com desprezo mas sem desafio. Roy é um pregador que come aranhas para provar a sua fé, enquanto o primo deficiente o mira com olhares pouco religiosos.

Sempre o Diabo é um livro sujo, com personagens reprováveis e uma cena violenta a cada duas páginas. Adorei-o. A acção é passada na América pós-guerra até à explosão do flower power e da guerra do Vietname, providenciando às acções das personagens um cenário ainda mais miserável.

Donald Ray Pollock consegue, de uma forma notável, retratar a violência omnipresente sem ser gratuitamente e dar uma humanidade tal às personagens que as torna magnéticas. A resignação, o desespero e até a ingenuidade malévola se tornam compreensíveis, e ao lermos os pedaços de vida patéticos destes trastes/insanos/inadaptados, do mais mal-intencionado ao mais pueril, é impossível não sentir neles a crueldade da vida, a forma como a escuridão pode povoar a alma humana e envenená-la.

Um livro brutal, em todos os sentidos (ler excerto), que recomendo muito.

*****
(muito bom)

domingo, setembro 28, 2014

O diabo veste Prada


Autor: Lauren Weisberger
Género:
Literatura Light
Idioma: Português

Páginas: 366
Editora:
Editorial Presença

Ano:
2003
ISBN: 978-972-2331944
Título original: The devil wears Prada
Tradução: Maria do Carmo Figueira
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O diabo veste Prada é a história de Andrea Sachs, 23 anos, rapariga certinha, cheia de sonhos e aspirações, cujo maior desejo é trabalhar numa das publicações que admira, escrevendo peças jornalísticas.
 
Num golpe de sorte, a recém-licenciada consegue rapidamente o seu primeiro trabalho: assistir Miranda Priestly ("A" editora de moda) na Runway ("A" revista de moda), «um emprego pelo qual um milhão de jovens mataria». Os RH avisam que Miranda tem fama de ser exigente, mas que Andrea não estranhe muito. Apesar de nunca ter lido a Runway nem nunca ter ouvido falar da sua chefe, a jovem está optimista e quando lhe dizem que quem desempenha a função com competência durante um ano, tem a oportunidade de trabalhar em praticamente qualquer revista ou jornal que queira, pois Miranda conhece toda a gente e todos a querem agradar, a moça dedica-se a 100%.
 
Andrea apercebe-se que o ano vai ser longo e complicado desde o primeiro dia, num ambiente hostil e fashion que não combina com ela e onde a maioria das pessoas respira moda e goza com os modelitos da protagonista. Miranda revela-se uma mulher inacessível, de rituais definidos e que não admite ser abordada. As suas assistentes têm de estar disponíveis 24 horas por dia e ser inventivas, desempenhando tudo o que é pedido sem questionar ou falhar, mesmo as coisas mais absurdas (e há umas quantas).
 
Andrea vai ser testada até ao limite num emprego que lhe exige uma dedicação total mas a que ela se entrega, convicta de que tudo valerá a pena; à sua volta, as relações humanas vão ficando em segundo plano, à medida que Andrea se rende às marcas, à moda e à arte do bem (a)parecer, acabando por aceitar como normal o que antes considerava estranho e colocando a chefe (e os seus muitos desejos e exigências) no centro do seu mundo. No final, vai ter de escolher o que quer, num livro que nunca deixa de ser ligeiro, mesmo quando aborda temas adultos.
 
Aquando do lançamento do livro, em 2003, toda a gente sabia (apesar da alteração de nomes) que a protagonista do livro era a própria autora, que a revista em causa era a Vogue americana e que a "cabra de serviço" era a icónica Anna Wintour. Isso não alterou a minha forma de ler o livro, mas garantiu publicidade à autora e seis meses na lista dos bestsellers.

Este é um dos raros casos em que o filme supera a história original. Isso deve-se em grande parte à excelente Meryl Streep como Miranda Priestly, que dá uma dimensão mais humana à vilã de serviço, afastando-a da caricatura do livro.

O diabo veste Prada é narrado por uma miúda num tom egocêntrico que acaba por se tornar aborrecido, tal a repetição de queixas e lamúrias a cada linha. Este livro nunca faria grande sentido para mim porque a minha entrada no mundo laboral não foi remotamente parecida, mas a forma de ser de Andrea acaba por se tornar irritantemente imatura e egoísta para qualquer um. No filme, Anne Hathaway é bem mais empática e a história é alterada de forma a ser mais plausível, já para não falar que permite ter uma maior percepção do peso da indústria da moda (e da competição feroz), passando a mensagem de uma forma mais inteligente que o livro.

Repito que é caso raro: prefiro o filme mil vezes.

***
(mediano/razoável)

terça-feira, setembro 16, 2014

O silêncio dos inocentes


Autor: Thomas Harris
Género:
Policial/Thriller
Idioma: Português

Páginas: 306
Editora:
Editorial Notícias

Colecção: Made in USA
Ano:
2000
ISBN: 978-972-4610801
Título original: The silence of the lambs
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Sou fã de Hannibal Lecter desde a excelente adaptação a cinema de Jonathan Demme, que arrecadou cinco Óscares e deu a Anthony Hopkins o papel da sua carreira (a sua interpretação é perfeita e arrepiante).

Ultimamente, o meu gosto pela personagem foi aguçado pela incrível série de televisão Hannibal, e tive curiosidade em saber mais sobre a história e as personagens criados por Thomas Harris há mais de 30 anos (xiii, o tempo passa ligeiro). Como nunca tinha lido os livros, e a terceira temporada da série só chega no próximo ano, lancei-me à colecção.

O silêncio dos inocentes centra-se em Clarice Starling, a acabar o curso de agente do FBI, a quem é dada a oportunidade de entrevistar o Dr. Hannibal "Canibal" Lecter, um psicopata (e psiquiatra reconhecido) preso por assassinar e devorar as suas vítimas. A ideia é obter um conhecimento mais aprofundado dos assassinos em série, mas a peculiar colaboração entre ambos faz avançar o caso mais mediático do momento, o de Buffalo Bill, um homem que rapta e esfola as sua vítimas e cujos intentos são ainda desconhecidos.

Com a sua inteligência e franqueza, Starling conquista Lecter, que vê nela uma hipótese de sobreviver à prisão onde o encerraram para sempre. As cenas entre os dois são magnéticas e Buffalo Bill é um serial killer tão sinistro e calculado que só uma grande mente o apanharia (e com ajuda, claro). Neste livro, os mauzões ganham em tudo: carisma, inteligência, complexidade. É entusiasmante ir fazendo o puzzle a cada nova pista e revelação. 

Apesar de já ter visto o filme várias vezes, gostei bastante do livro e algumas partes foram surpreendentes q.b., porque há sempre omissões e alterações na adaptação a cinema. Foi giro verificar que uma das frases mais famosas do filme não foi tirada ipso verbo do livro: quando o infame Lecter diz que comeu o fígado de um censor «with some fava beans and a nice Chianti», numa das cenas-ícone do filme, no livro, o vinho é outro, é um Amarone.

O livro é muito bom e ganha com a adaptação a cinema, porque é impossível não imaginar Sir Anthony Hopkins, e é superior. Thomas Harris estava muito à frente do seu tempo e o livro tem uma astúcia e originalidade actuais e rivaliza com os melhores policiais das últimas décadas; Hannibal Lecter é dos melhores vilões de todos os tempos. Estou ansiosa pelos restantes livros.

*****
(muito bom)

domingo, agosto 31, 2014

I remember nothing: and other reflections

Autor: Nora Ephron
Género:
Humor
Idioma: Inglês

Páginas: 137
Editora: Knopf (Kindle edition)
Ano: 2010
ISBN:  978-0-307-59560-7
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Nora Ephron, falecida em 2012, tornou-se famosa por êxitos de bilheteira como Você tem uma Mensagem, When Harry Met Sally e Sintonia de Amor. No campo das letras, distinguiu-se pelos seus artigos femininos  na revista Esquire e pelos livros espirituosos sobre a condição feminina, de que Não gosto do meu pescoço - e outros humores, achaques e amores da vida das mulheres e este I remember nothing: and other reflections são um exemplo.

Gosto da frontalidade e do humor de Nora. Este livro alterna capítulos longos com outros de 3 páginas, onde a autora descreve a sua evolução como jornalista numa época em que as mulheres eram relegadas para tarefas menores, como é ter um rolo de carne com o seu nome (num restaurante de um amigo), como lidar com um fracasso de bilheteira ou como o fenómeno do e-mail passou de benção a maldição, sempre num tom divertido e passando de um assunto sério para um trivial com desprendimento.

O livro foi publicado 2 anos antes da morte da autora, e é engraçado como Nora aflora o assunto da morte constantemente sem o referir directamente, focando-se antes no avançar da idade, na dificuldade em reconhecermos que estamos velhos e perceber como a memória (e outras coisas) começa a falhar.

O livro que li dela antes deste falava mais directamente de morte e de doença, mas conseguia ser mais leve. Nora não se referia à família como aqui (o alcoolismo da mãe, que morreu ao 57, e o corte de relações com uma das irmãs, por motivos de herança) e é possível perceber que tem alguns assuntos pendentes mas dá para perceber que o livro não funciona como terapia, embora o tom seja confessional.
 
Continuo a não ser grande apreciador da filmografia de Nora Ephron, mas acho-a uma mulher interessante e adoro o seu sentido de humor; o seu legado é positivo em todos os aspectos e sei que leria todos os seus livros futuros.

***
(mediano/razoável)

sábado, agosto 16, 2014

20th century ghosts


Autor: Joe Hill
Género:
Contos/Terror
Idioma: Inglês

Páginas: 383
Editora: Gollancz (Kindle edition)
Ano: 2008
ISBN:  978-0-575-08308-0
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Gosto de terror: de o ler e de ver séries e filmes. Apanho grandes "barretes" e muita coisa mázinha, mas quando acontece o contrário, é uma alegria! Apetece dizer a toda a gente!
 
Joe Hill é dos mais recentes autores premiados no género e com todo o mérito. Filho do horror icon Stephen King, provou que tem qualidade e valor por si só; o meu livro favorito dele é o fantástico Cornos (o filme estreia este ano). Quando gostamos de um autor, é uma delícia descobrir, e ler, as obras mais antigas e é isso que tenho feito.

20th century ghosts é um livro de contos, nem todos de terror; os meus favoritos nem são os mais sombrios. Há contos bons e outros menos assinaláveis; no meio de 16 histórias, há muita variedade. Ficam na memória os que realmente gostei:

- Best New Horror: Eddie Carroll é um editor desanimado. Quando lê Buttonboy, não descansa enquanto não arranja uma forma de conhecer o autor e propor-lhe a edição de uma história tão perturbadora que não pode ser verdade...

- 20th Century Ghost

- Pop Art: uma premissa inicialmente tão ridícula não deixa adivinhar a melhor história de todo o livro; dois rapazes outsiders tornam-se os melhores amigos, apesar de um deles ser insuflável... dos melhores contos que já li, com uma mensagem muito bonita. 

 
- You Will Hear the Locust Sing

- Abraham's Boys


- Better Than Home


- The Black Phone: um rapaz é raptado e trancado numa cave; numa parede está um telefone antigo que começa a tocar, apesar de estar desligado...


- In the Rundown


- The Cape: Eric é um miúdo de 7 anos que consegue voar graças a uma capa que a mãe lhe costurou; já adulto, tenta perceber porque tem uma vida tão miserável sendo tão especial.


- Last Breath
: o Dr. Allinger mantém há décadas o Museu do Silêncio, composto por dezenas de frascos que contêm o último fôlego dos moribundos, entre anónimos e famosos. O museu atrai cépticos e crentes, mas a todos o ex-médico recebe com simpatia e mostra orgulhosamente a engenhoca que lhe permite reunir a sua colecção peculiar.

- Dead-Wood


- The Widow's Breakfast


- Bobby Conroy Comes Back from the Dead


- My Father's Mask
: um adolescente é forçado a ir de fim-de-semana com os pais, que contam as histórias mais mirabolantes e inventam os jogos mais absurdos apesar do filho já ser crescido; desta vez, dizem que as "pessoas do baralho de cartas" vêm buscá-los e têm de fugir... uma história estranha e memorável.  

- Voluntary Committal
: Nolan é um rapaz normal com um irmão esquizofrénico, com quem não consegue comunicar. Morris passa os dias de volta dos seus fortes feitos de cartão, autênticos labirintos de que apenas ele consegue escapar.

- Scheherazade’s Typewriter 


Algumas histórias são bastante boas, imaginativas ao ponto de pensarmos «onde é que ele foi desencantar esta ideia?» e outras nem por isso, o habitual num livro de contos.

Joe Hill é (ainda e infelizmente) um autor algo desconhecido em Portugal. É pena. Fica a divulgação.

****
(bom)

domingo, agosto 03, 2014

I hate everyone... starting with me


Autor: Joan Rivers
Género:
Humor
Idioma: Inglês

Páginas: 271
Editora: Berkley (Kindle edition)
Ano: 2012
ISBN:  978-1-101-58088-2
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I hate everyone... starting with me é um livro escrito pela comediante norte-americana Joan Rivers. Aqui no país, não sei se muita gente a conhecerá; entra num programa chamado Fashion Police, que é transmitido no canal E! (para quem tem cabo, per supuesto!)
Nunca tinha lido nada dela mas pelo que vi na televisão, o tom não foi surpreendente. É o género de linguagem e humor que a caracterizam quando a vejo na televisão: linguagem cáustica e crítica, implicando com tudo e mais alguma coisa, desde a aparência pessoal à família. Joan aposta num humor corrosivo e agressivo e num discurso que mistura xenofobia e insultos gratuitos.
Love may be a many-splendored thing, but hate makes the world go round. If you think I’m kidding, just watch the six o’clock news. The first twenty-nine minutes are all about dictators and murderers and terrorists and maniacs and, worst of all, real housewives. And then, at the very end of the show, there’s a thirty second human-interest story about some schmuck who married his cat. I rest my case.

Fazendo jus ao título do livro, ela odeia toda a gente, ela própria incluída: goza imenso acerca das dezenas de plásticas e tratamentos que já fez (tem 80 anos e está tão repuxada que já pagou metade da hipoteca do cirurgião plástico), brinca com os tiques e tradições familiares judeus (Joan é judia), inclui-se nas várias críticas da vida fútil de Hollywood.

I hate everyone... starting with me está dividido pelos vários ódios de estimação da autora: manias, modas, hábitos, esterótipos, tiques das celebridades, os dogmas de Hollywood.

Obviamente que ler um livro que começa cada parágrafo com «odeio...» não nos eleva o espírito, mas este é um livro de humor e tem o seu enquadramento; quem não gostar do género de piadas (há inúmeros géneros de humor), pode ler outra coisa.
Dentro do género, gostei; há alguma repetição de piadas nos capítulos finais, mas nada grave. Arrancou-me algumas gargalhadas, o que não é nada mau, principalmente depois de um dia de trabalho menos... alegre.
I hate it when I read an obit that says, “Molly Fishman, 102, suddenly.” Excuse me? She’s 102! How sudden could it have been? She’s been old since the Truman administration. The woman’s been hunched over in her wheelchair, with her tongue on the footrest since 1992; shouldn’t someone have seen her demise coming???
Livros como este são bons para ler e pôr a circular no grupo de amigos; a chance de uma releitura é escassa e dá-se a hipótese a outros de se divertirem com o bota-abaixo omnipresente (ou de se sentirem ofendidos).

***
(mediano/razoável)