segunda-feira, dezembro 30, 2013

... adeusinho, ó 2013!


Olá, leitores do bué de livros!

Esperam que tenham tido o melhor Natal possível, com presentes q.b. (uns quantos livros, espero) e muita saúde e alegria. Por aqui, o Natal foi bom e tive alguns livros no sapatinho.

2013 foi um ano fértil em leituras, com uma média de 2 a 3 livros por mês, uma melhoria face a 2012. Isto não reflecte os livros técnicos (ossos do ofício e uma curiosidade natural por vários assuntos) que também li, principalmente no ipad.

Assim sendo, e à semelhança do que fiz há um ano atrás, decidi eleger o melhor das minhas leituras, mas desta vez decidi deixar de lado as piores, pois ando a sentir-me bué de democrática e cada gosto (ai tão plural que é) é de cada um.

O importante é ler (principalmente depois desta notícia, que coloca os Portugueses com os níveis mais baixos de leitura e consumo cultural em toda a Europa), o que ainda me espanta, pois recorro à biblioteca municipal e às promoções para alimentar o "bichinho" da leitura, já para não falar que tenho a sorte de ler em inglês e leio muito (e em conta) no meu kindle. Mas adoro ler e, como é uma prioridade, arranjo forma de a satisfazer. Mais uma vez, tolerância.

Mas adiante com o top...

Do melhor que li em 2013, recomendo sem reservas os seguintes títulos, curiosamente todos de senhoras escritoras (clicando em cada imagem acedem à minha opinião sobre o livro):

Lugares escuros
Em parte incerta
O aloendro branco
Sangue felino

Este ano, acabei de ler a saga Sangue Fresco e aconselho; apesar dos primeiros livros serem muito mais excitantes que os últimos, a Sookie tornou-se uma personagem viciante, cujas aventuras urgia seguir. No global, os 13 livros são uma delícia.

Foi ainda um prazer descobrir autores como Ondjaki e Kafka, que continuarei a seguir.

E é tudo.

 Um excelente 2014 a todos e boas leituras!

domingo, dezembro 22, 2013

Morte em Pemberley adaptado pela BBC


Morte em Pemberley

Apesar do livro de P.D. James, Morte em Pemberley, não ter sido um sucesso (a autora tem bons livros, mas este não foi um deles), Jane Austen é-o sempre, ainda mais se falarmos em Orgulho e Preconceito, em Lizzy Bennet e, claro, em Mr. Darcy.

Esta só pode ser a razão pela qual a BBC One comprou os direitos do livro de James e a adaptou a uma mini-série de três episódios, a exibir dentro de dias (26 de Dezembro), em horário nobre.

Matthew Rhys (Fitzwilliam Darcy)
 
Anna Maxwell Martin (Elizabeth Darcy)

A acção passa-se seis anos após o final do livro de Austen. Darcy e Lizzy têm 2 filhos e um casamento sólido. A alguns dias de acontecer um extravagante baile anual em Pemberley, um homem é assassinado nos bosques da propriedade e Wickham torna-se o principal suspeito, lançando uma nuvem de suspeita sobre todos os envolvidos nas festividades.

Pemberley Estate
Eu não gostei do livro mas vou ver a série. Morte em Pemberley é um policial bastante medíocre e repetitivo que nem sequer conseguiu aproveitar a essência das personagens de Jane Austen para ser melhor, mas a série pode contra-pôr com uma dinâmica que melhorará a história (espero); o elenco também me parece interessante. A ver vamos.

(Trailer da mini-série)

Fonte e fotos: BBC

segunda-feira, dezembro 16, 2013

As novas bacantes



Autor: Catherine Clément
Género:
Romance
Idioma: Português

Páginas: 96
Editora:
Edições ASA

Colecção: ASA de bolso
ISBN:  972-41-2099-6
Título original: Les Dames de l'Agave
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Catherine Clément é uma escritora francesa, nascida na Paris de 1939, que se notabilizou na escrita de romances, embora tenha editado várias obras de filosofia, psicanálise e antropologia; entre os seus livros mais conhecidos estão A Senhora, A viagem de Théo e A rameira do Diabo. As novas bacantes é a minha estreia com esta autora.

Descrito na contracapa como «um pequeno divertimento policial», a história do livro passa-se numa aldeia nas margens do rio Loire, cujo nome não é mencionado. Os habitantes vêem a paz abalada por uma seita emergente de mulheres que, à noite, se junta em volta de uma fogueira em honra de Baco.

Ressuscitando o culto, estas mulheres, de todas as idades (algumas, pasme-se!, da própria aldeia), celebram o deus do vinho e dos excessos dançando nuas ao som de tambores, noite dentro, embriagando-se com uvas da vinha morangueira que abunda na região. Os habitantes locais não sabem o que fazer, pois nem o diálogo nem a coacção resultam contra as bacantes.

Nessa altura, chega à cidade o reputado Professor Jean Le Bihouic, que pretende terminar o seu mais recente livro no sossego bucólico. Abandonado pela esposa de décadas por um homem mais novo, o professor não se encontra na melhor forma e espera que um descanso campestre ajude à recuperação. A ilusão não dura muito, pois toda a aldeia se vira para ele, um letrado citadino, para que resolva a situação das bacantes.

Sendo um homem afável e incapaz de dizer não, o professor tenta encontrar uma solução e alia-se ao padre da aldeia e ao presidente da Câmara para descobrir o que se passa, ao mesmo tempo que tenta acabar o livro que o levou ali. O que se segue é uma sucessão de acontecimentos descritos de uma forma bastante castiça e um pouco anedótica, com algumas alusões mitológicas e o final feliz possível.

Sendo um livro de tom ligeiro e com menos de cem páginas, lê-se bem. A história é engraçada e, como policial, é modesto (não há cá Poirot nem detectives privados).

No final, percebemos como a autora quis fazer uma história sobre as eventuais bacantes modernas e não resistiu a dar o seu toque ao mito do rei Penteu, com algumas considerações finais pela voz do protagonista professor.

Um livro engraçado e uma autora a explorar. 


avaliação: *** (mediano/razoável)

terça-feira, dezembro 10, 2013

Os Trinta - Nada é como sonhámos



Autor: Filipa Fonseca Silva
Género:
Romance
Idioma: Português

Páginas: 172
Editora:
Oficina do Livro
ISBN:  978-989-5557-23-3
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Filipa Fonseca Silva conseguiu, com a tradução em inglês de Os Trinta - Nada é como sonhámos (Thirty Something – Nothing’s how we dreamed it would be) um feito histórico: tornar-se a primeira escritora portuguesa no Top 100 da Amazon.

Fiquei curiosa (e contente) com esta excelente notícia, mas como o orçamento não dá para tudo, fui meter o nariz na biblioteca municipal, et voilá!, tinham o livro.

Publicitado como «uma espécie de "Os Amigos de Alex" do século XXI», segue três trintões que integram o mesmo grupo de amigos: Filipe, mulherengo «coleccionador de relações falhadas»; Maria, deixada pelo noivo uns meses antes do casamento; e Joana, uma falsa moralista que casou por interesse.

O livro segue o dia (e a noite) em que o grupo se encontra na casa de Joana, para um jantar de convívio cuja frequência se tornou cada vez mais rara. Pela voz das três personagens, vamos seguindo a forma como vêem aqueles que foram amigos próximos ou conhecidos, questionando e comentando escolhas e formas de ser e de estar. 

«Quando é que os amigos deixam de ser aquelas pessoas a quem podemos contar tudo, para se tornarem pessoas com quem temos medo de falar? (...) Lembro-me de poder falar de tudo, descrever sentimentos, chorar ao telefone com as minhas amigas (...) Agora não. Está sempre tudo muito bem, obrigada.»

A escrita da autora é muito visual e a linguagem é actual e moderna. Algumas expressões usadas são tipicamente americanas (traduzidas literalmente para português), e fáceis de identificar para quem conhece a língua do Tio Sam. As personagens têm vozes distintas mas são algo estereotipadas, o que torna difícil a empatia com o leitor mas que facilita a compreensão e o seguimento da acção. A história é previsível mas algumas passagens são boas, principalmente as reflexões mais lúcidas das personagens.

 «(...) se eu saísse com o meu eu de agora e com o meu eu de há quinze anos, tenho a certeza de que o puto ganhava. Na altura, lia muitos livros e de autores muito mais interessantes. Escrevia poemas, músicas, cartas de amor para mulheres imaginárias. Via cinema de verdade (...). Tinha uma cultura geral tão boa para um miúdo da minha idade que até chegava a impressionar os amigos dos meus pais, o que na altura me parecia um feito extraordinário. Hoje (...), percebo que não era assim tão difícil impressioná-los.»

Os Trinta - Nada é como sonhámos foi uma boa surpresa mas gostava que tivesse sido mais desenvolvido; assim, foi uma leitura light q.b., que me deixou com uma impressão positiva da nossa primeira autora no top mundial da Amazon, que espero que tenha muito mais sucessos futuros. Cá estarei para a ler. 


avaliação: *** (mediano)

segunda-feira, dezembro 02, 2013

E se amanhã o medo




Autor: Ondjaki
Género:
Contos
Idioma: Português

Páginas: 102
Editora:
Editorial Caminho
ISBN:  972-21-1708-4
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Este é o primeiro livro que leio do angolano Ndalu de Almeida, que usa o pseudónimo Ondjaki, palavra em umbundu que significa «aquele que enfrenta desafios».

Com 36 anos, Ondjaki tem já uma obra significativa e plural, entre livros de contos, romances e poesia; os prémios literários também são uns quantos, onde se destacam o Grande Prémio APE (2007), o Prémio Bissaya Barreto (2012) e o Prémio José Saramago (2013).

E se amanhã o medo é um livro de contos, dividido em 2 partes: horas tranquilas e conchas escuras.

«- Aceito uma vacina contra a raiva.»
«- Muito bem. Parece-me apropriado. O mundo não está para brincadeiras.»

A primeira parte, horas tranquilas, tem 15 contos subtis, líricos e luminosos, com algum humor e folclore à mistura, e muito movimento (libélulas, aves, viajantes). As personagens anseiam pela alegria, pela paz, pela esperança, há vida e serenidade. Os meus contos favoritos são coração de porco e o pássaro do cais, bastante diferentes entre si mas ambos leves e poéticos, com o seu quê de realismo mágico.

«Velhice é todos dias ir despedindo um pouco coisas que inda nos tocam as paredes do coração.»

conchas escuras, composto por 5 contos, em que o meu favorito é lábios em lava, é mais cru e sombrio. Aqui há medo e culpa, o tom é opressivo e não há esperança nas personagens, há interrogações e angústia; há violação, há morte misericordiosa (no leitor, há desconforto).

E se amanhã o medo é breve, os contos têm 2 a 3 páginas, aparentemente simples mas metafóricos e simbólicos. Sendo o primeiro livro que leio de Ondjaki, não tenho termo de comparação, mas não me parece um autor de fácil apreensão, o que não deixa de ser intimidante. As suas realidades inventadas são complexas e as frases curtas que usa não dispensam duas e três leituras até atingir o pleno. Gostei e deixo-vos aqui um excerto do livro.

«Era, no fundo, o que trazia todas as pessoas àquele local: a magia de renovar o órgão primeiro, o bombeador de sensações, a casa mais íntima de um ser humano. (...) Leve isto consigo ... entregou-lhe um pequeno aglomerado de folhas, escrito à mão num cuidadoso latim. ... Vai servir-lhe para ser feliz! ... E o que é? ... a mulher, sensível, curiosa. ... Todos os meus apontamentos sobre a sensibilidade dos porcos. O que é dizer: você é a primeira pessoa a levar um coração com o respectivo manual de felicidade.» 


avaliação: **** (bom)

terça-feira, novembro 26, 2013

O aloendro branco



Autor: Janet Fitch
Género:
Romance
Idioma: Português
Editora: Editorial Presença

Páginas: 455
ISBN: 972-23-2363-5
Título original: White Oleander
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A história d'O Aloendro Branco é forte, tocante e inesquecível, com uma galeria de personagens femininas carismáticas e muito fortes.

A nossa narradora é Astrid Magnussen, uma adolescente cuja vida gira à volta da mãe, Ingrid, uma mulher de temperamento artístico e caprichoso, com tanto de peculiar como de egoísta. 

Ingrid e Astrid vivem no seu próprio mundo, onde Ingrid dita as regras: é rainha e senhora. Agressiva e apologista dos valores vikings, que apelida orgulhosamente de antepassados, Ingrid despreza os "sentimentos menores", como a compaixão e o amor, fazendo crer a Astrid, através de uma visão romântica típica do seu espírito de poetisa, que apenas precisam uma da outra para sobreviver.

Até ao dia em que Ingrid, habituada a relações fugazes e dominadas por ela, se apaixona por um homem e inicia uma relação séria. Quando ele decide acabar, Ingrid só pensa no seu orgulho ferido e encara-o como um alvo a abater. Premeditada e friamente, envenena-o com o belo e delicado aloendro que cresce no jardim da casa onde vive com a filha. Quando é presa, julgada e condenada a prisão perpétua, Ingrid encara a situação como inevitável mas justificada. O futuro de Astrid, com 12 anos e a vida virada do avesso, é a última coisa a passar-lhe pela cabeça.

«Nunca tenhas esperança de encontrar pessoas que te compreendam (...). Pessoas inteligentes, sensíveis, são excepção, uma rara excepção. Se estiveres à espera de encontrar pessoas que te compreendam, a desilusão tornar-te-à cada vez mais sanguinária. O melhor que podes fazer é compreender-te a ti própria, saber o que queres, e fazer com que a manada não se interponha no caminho.»


Entregue aos cuidados do Estado e das assistentes sociais, Astrid passa por várias famílias de acolhimento, sobrevivendo a agressões, negligência e inúmeros actos de violência. A mãe, da prisão, exerce sobre Astrid todo o tipo de pressões psicológicas, esforçando-se por manter a influência sobre a filha e tentar que permaneça intocável aos que a rodeiam.

Mas Astrid está decidida a ser uma pessoa melhor, a conhecer o afecto que a mãe sempre lhe negou e a auto descobrir-se. Sobrevive cada dia graças à sua crescente sensibilidade, inteligência e talento artístico, refugiando-se no desenho e na pintura.

Pela sua vida vão passando várias mulheres: mulheres que Astrid ama ou odeia, mas todas lhe ensinam algo e deixam a sua marca na vida da jovem. Sem poder, a mãe sociopata vai adaptando o seu discurso para atrair a filha, mas Astrid vai percebendo cada vez melhor a mãe e as suas motivações, percebendo que dos pais recebemos benções mas também maldições, e o que Ingrid lhe incutiu nos anos que partilharam - força, gosto pelo conhecimento, independência, coragem -, é o que as vai afastar, pois são as características que permitem à nossa narradora sobreviver num mundo cruel que não se sente pena de orfãs.

«O passado é uma chatice (...) Não acumules passado, Astrid. Não veneres nada. Queima tudo. O artista é como a fénix que renasce das cinzas.» 

O Aloendro Branco é impossível de pousar, o mais recente page turner que me passou pelas mãos, onde as 400 e muitas páginas formam uma história magnética, com momentos líricos memoráveis e uma narradora de essência rara.

NOTA: Devido ao sucesso do livro, Hollywood fez a adaptação do mesmo ao grande ecrã, que resultou num filme interessante que já comentei no bué de fitas (e cuja capa, acima, é a usada para comercializar o título em Portugal). 

avaliação: ***** (muito bom)

quarta-feira, novembro 20, 2013

O último capítulo



Autor: Edmund Power
Género:
Ficção
Idioma: Português

Páginas: 241
Editora:
Saída de Emergência
ISBN:  978-97-2883981-9
Título original: The last chapter
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Brendan Stokes quer ser um escritor rico e famoso.

Vindo de pouca coisa, tem a certeza que assim que conseguir ser publicado, terá tudo o que merece: dinheiro, conforto, mulheres. Das editoras, as cartas de rejeição vão-se acumulando, e a mais recente é acutilante até dizer chega, recomendando-o a deixar de massacrar a língua inglesa com os seus devaneios de pseudo-escritor e deixar o ofício para quem tenha um pingo de talento.

Brendan não desiste, nem mesmo quando a mulher lhe atira à cara que basta de sonhos e vá de ter um emprego a sério, que sozinha a sustentar filho e marido não dá. Os dias passam, as queixas e discussões escalam e o aspirante a escritor começa a pensar em alternativas - voltar para a fábrica onde já trabalhou, estudar, pedir ajuda aos pais -, mas nenhuma lhe agrada.

Até que uma manhã, alertado por um cheiro intenso que invade um andar do prédio, descobre o seu vizinho de baixo, um homem com hábitos de eremita, morto. Brendan não se coíbe de revistar o resto de casa e encontra a solução dos seus problemas: um manuscrito amarelado, que contém uma história magnética e apaixonante.

O resto é fácil de imaginar: Brendan faz umas perguntas para assegurar que o manuscrito nunca foi referido a ninguém e, confiante, envia-o como se fosse seu. Quando as ofertas começam a chegar, os pedidos de entrevistas, o contrato chorudo, parece que finalmente está a ter o que merece.
Mas para manter a fachada, Brendan contou muitas mentiras e continua a contá-las, e já são tantas que é difícil acertar com tudo. Quando a mulher, os amigos e a polícia não desistem de fazer perguntas, a única saída de Brendan é eliminar quem sabe demais e manter a fachada e a mentira.

Para variar, a acção do livro passa-se na Irlanda (o autor é também irlandês), com bastantes referências geográficas e culturais. O protagonista está longe de ser perfeito, mas não deixa de ser interessante seguir a suas acções e a forma como raciocina. Esse é o maior trunfo do livro: a personagem central (e narrador) é um biltre egoísta mas bastante bem construída e queremos ler o que vai fazer cada vez que comete (mais) uma argolada.

O último capítulo não é perfeito, tem várias falhas no enredo e a acção parece, por vezes, demasiado arranjadinha, mas é um bom livro dentro do género e o tema é bastante interessante. 


avaliação: **** (bom)

domingo, novembro 17, 2013

O adeus a Doris Lessing aos 94 anos


Morreu a escritora Doris Lessing, laureada com o Nobel da Literatura em 2007.

Nascida no Irão em 1919, escreveu mais de 50 romances, com temas tão diversos como a política, o pós-colonialismo africano e a ficção científica. A academia sueca apelidou-a de ser «uma épica da experiência feminina que, com cepticismo, fogo e poder visionário, sujeitou uma civilização ao escrutínio».

Irreverente, Doris Lessing comentaria em 2008, ao New York Times, que não ligava a prémios, nem mesmo ao Nobel, declarando que não se identificou com a forma como a descreveram e à sua obra: «Imagino o sueco responsável pela frase a pensar para si próprio: "O que é que raio havemos de dizer desta? Ainda por cima não gosta que lhe chamem feminista." E então escrevinharam aquilo.». 

Foto: Eamonn McCabe
Comunista desencantada, incorporou vários acontecimentos da sua vida nos seus livros, como as experiências em África, desde as memórias de infância até às questões sociais e políticas pelas quais se interessou desde muito nova. O modo como os seus romances e contos descrevem as injustiças raciais e expõem os podres da presença colonial britânica em África fizeram com que fosse oficialmente proibida, em 1956, de entrar na Rodésia do Sul, hoje Zimbabwe.

O escritor sul-africano J.M. Coetzee chamou-lhe «uma das maiores romancistas visionárias do nosso tempo». O seu último livro, Alfred & Emily saiu em 2008.

Leiam a notícia na BBC News e no Público.

sábado, novembro 09, 2013

Memória das minhas putas tristes




Autor: Gabriel García Márquez
Género:
Romance
Idioma: Português

Páginas: 114
Editora:
Dom Quixote
ISBN:  978-97-2202802-8
Título original: Memoria de mis putas tristes
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Escrito em 2004 pelo Nobel da Literatura de 1982, Gabriel García Márquez, Memória das Minhas Putas Tristes conta a história de um velho de idade avançada, que se decide oferecer uma noite de amor no dia em que celebra 90 anos.

«... órfão de pai e mãe, solteiro sem futuro, jornalista medíocre quatro vezes finalista nos Juegos Florales de Cartagena de Indias e favorito dos caricaturistas pela minha exemplar fealdade.» (página 19)

O velho, conhecido por Sábio, é um cronista sem igual na cidade onde habita. As suas excentricidades são aceites e respeitadas por todos. Não se considera um homem de excepção, mas é-o: culto, com alma de poeta, é solitário como poucos, vive entre os seus livros, dicionários e música... e nunca fez amor, só sexo, sempre pago. Porquê? Porque apesar de sentimental é um cínico e porque não acredita no amor romântico.

No seu nonagésimo aniversário, decide que há-de ter uma virgem. A "madame" local, cúmplice de muitos negócios e conversas murmuradas, providencia uma jovem de 14 anos para essa noite, onde acaba por dormir ferrada e embalada por valeriana. Não há sexo mas o velho Sábio apaixona-se pelo cheiro e pelo corpo da rapariga, começando a imaginar mil formas de cativar e ter para si.

O resto é poesia, poesia em forma de prosa, onde conhecemos a vida do Sábio e o avanço do seu amor pela jovem Delgadina, alternando o texto entre a exaltação da velhice e a descoberta do primeiro amor. É inspirador ver um homem tão avançado na idade tão activo e respeitado pela comunidade, com tanto por fazer, mas creio que a premissa é demasiado fantasiosa e não me "agarrou" como esperava.

«Quando era jovem ia às salas de cinema sem tecto, onde tanto nos podia surpreender um eclipse da Lua como uma pneumonia dupla por causa de um aguaceiro perdido. Mas mais do que os filmes interessavam-me as passarinhas da noite que iam para a cama pelo preço da entrada, ou davam de borla ou fiado. Pois o cinema não é o meu género. O culto obsceno de Shirley Temple foi a gota que fez transbordar o copo.» (página 21)

O livro, apesar de breve, tem passagens muito boas. García Márquez teve o condão de transformar o título do livro e a sua premissa inicial numa história de amor vivida a um e numa narrativa com conteúdo, embora fique aquém da densidade das suas obras maiores. A narrativa tem alguma candura mas soube-me a pouco, pois custou-me acreditar em grande parte da acção.

É bom mas um bom pequenino: bonzinho.


avaliação: **** (bom)

sábado, novembro 02, 2013

A metamorfose




Autor: Franz Kafka
Género:
Ficção
Idioma: Português

Páginas: 96
Editora:
BIS
ISBN:  978-98-9660306-9
Título original: Die Verwandlung
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Apesar de imensamente referenciado na literatura, nunca tinha lido Kafka, um dos escritores mais influentes do século XX (shame on me). Admito que nunca tinha procurado nada do autor e até hoje o universo nunca se tinha alinhado para que o lesse.

Até que há uns dias, houve alinhamento e, enquanto dava uma olhadela pelas lombadas de uma das estantes da biblioteca municipal, reparei e peguei n'A Metamorfose; gostei da capa, avaliei a fineza (não chega a uma centena de páginas) e li a menção de que, escrita em 1912, é a obra kafkiana mais lida e estudada; veio comigo para casa.

«Certa manhã, ao acordar após sonhos agitados, Gregor Samsa viu-se na sua cama, metamorfoseado num monstruoso insecto.»

Assim do nada, o jovem Gregor desperta um dia transformado num gigantesco insecto. Gregor vive em casa com os pais, a irmã mais nova e duas criadas. Caixeiro-viajante, é o único que trabalha e sustenta o agregado; a sua primeira preocupação ao ver-se com múltiplas perninhas e carapaça é a de que como vai fazer para se levantar, vestir e apanhar o comboio para o trabalho.

À medida que os minutos passam e a casa se anima com ruídos familiares, Gregor vai entrando em pânico com a falha da rotina e a perspectiva de o verem assim... o que acaba por acontecer e desembocar numa série de situações surreais q.b., fazendo-nos alternar entre a surpresa, a incredulidade e a raiva.

Pessoalmente, o que me ficou d'A Metamorfose é uma mensagem de alienação, tristeza e opressão. A família de Gregor não se importa realmente com ele e conforma-se com a situação do filho (e irmão) à velocidade da luz. A sua preocupação é garantir que o dinheiro não pára de entrar e quando percebem que conseguem sobreviver sem o rendimento auferido por Gregor, rapidamente deixam de providenciar pelo seu conforto e bem-estar. A figura do pai é austera e emocionalmente ausente, a da mãe é psicologicamente frágil com laivos de histeria e a da irmã de 16 anos é egoísta.
Descartado e descartável, a Gregor resta rastejar como o insecto em que se tornou e desaparecer das vidas daqueles que rapidamente o secundarizam e viram os olhos para um futuro onde o primogénito já não figura. Tendo em conta a ideia que tinha de Kafka e uma leitura de uma breve biografia, o final não poderia ser outro.

Na minha opinião, este é um livro que se lê rapidamente e se apreende com vagar. Li-o a uma velocidade bastante superior àquela a que o estou, ainda, a deglutir, pois é uma leitura que dá que pensar: sobre as relações familiares, sobre a alienação e sobre a indiferença e o egoísmo; é território denso e nem sempre confortável.

Um dia destes voltarei a Kafka. Fiquei impressionada pelo mundo de questões que colocou num livro tão pequeno. 


avaliação: **** (bom)

domingo, outubro 27, 2013

A herança de Eszter



Autor: Sándor Márai
Género:
Romance
Idioma: Português
Editora: Dom Quixote
ISBN:  978-97-2202999-5
Título original: Eszter Hagyatéka
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Sándor Márai foi um jornalistaescritor húngaro, um dos mais importantes durante o período entre as guerras mundiais. Crítico fervoroso do comunismo, mudou-se para a América em 1968. Escreveu mais de 60 livros, o primeiro aos 24 anos; em Portugal estão publicadas 7 obras suas.

A herança de Eszter conta a história de uma mulher de 40 anos, solteira desde sempre, que leva uma vida modesta e muito pacata. Eszter já amou, um amor mal resolvido que lhe deixou marcas profundas com as quais se conformou. Até ao dia em Lajos anuncia que a vai visitar, 25 anos depois; a preocupação de amigos e familiares é fundada, não só porque Lajos é um sedutor sem escrúpulos mas porque foi aquele que destruiu a família de Eszter e roubou tudo o que possuíam.


«Quando Vilma morreu e se deu a ruptura entre nós, Lajos afastou-se do horizonte familiar. Então, regressei eu aqui, a esta pobre casa e meu último refúgio. Nada me esperava, excepto uma cama e um pão seco. Mas quem chega de uma tormenta é feliz, pois tem um tecto por cima da cabeça.»

A nossa narradora é uma mulher frágil e ingénua, iludível na forma como se relaciona com os outros, e Lajos é um mestre na manipulação alheia, capaz de dizer o que preciso for para sacar mais qualquer coisa a alguém que ainda acredite na bondade do seu carácter.

Assisitir à chegada da Lajos e à forma como lida com os antigos amigos é desconcertante mas Márai fá-lo habilmente e com subtileza. Aliás, todo o livro tem um tom leve mas o texto é forte. Sándor Márai possui uma elegância na escrita de que é um prazer desfrutar mas sentimos a força da sua prosa, o que me fez virar as páginas vorazmente.

«Pode-se deitar fora uma mulher, como uma caixa de fósforos, por paixão, por se ter um carácter assim, por não conseguir ligar-se a uma mulher, (...) mas deitar alguém fora por distracção... isso é mais do que infâmia.»

Com poucos mais de 150 páginas, é um livro breve, que chega ao fim rapidamente, mas isso não lhe tira lirismo. É uma leitura compensadora, de uma poesia subtil e várias frases encantadoras; o final não foi o meu preferido, mas cada escritor sabe das suas personagens and that's that.

Além deste livro, do autor li As velas ardem até ao fim, um livro muito bom, superior a este, que aproveito para recomendar; Sándor Márai é um autor a descobrir e eu vou ler mais dele, isso é certinho. 

avaliação: **** (bom)

segunda-feira, outubro 21, 2013

Lugares Escuros


Autor: Gillian Flynn
Género:
Thriller
Idioma: Português
Editora: Bertrand Editora
ISBN:  978-97-2252716-3
Título original: Dark Places
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Gillian Flynn é um nome a reter. Esta talentosa escritora norte-americana escreveu 3 livros até à data, todos eles êxitos de vendas. Eu li os 3 e gostei de todos, sendo que este Lugares Escuros (o último que li) é absolutamente viciante e impossível de pousar (Em Parte Incerta e Objectos Cortantes também são bons mas este é o melhor).

Vamos, então, ao livro: Libby tinha 7 anos quando a sua família foi assassinada; conseguiu fugir mas ficou marcada para sempre, no corpo e na mente; o seu testemunho foi fundamental para a condenação do irmão, Ben, como o assassino, naquele que ficou conhecido como "Sacrifício a Satanás de Kinnakee".


25 anos volvidos, temos uma Libby que não consegue "funcionar" na nossa sociedade, a (sobre)viver de donativos e fundos de apoio, os quais, apesar de generosos, não são ilimitados. É numa situação de quase penúria que Libby se encontra quando é contactada pelo Kill Club, um grupo de pessoas obcecadas com crimes mediáticos com desfechos polémicos. Os membros do Kill Club estão dispostos a pagar bom dinheiro para que Libby localize e fale com os intervenientes sobrevivos, que podem lançar luz sobre o que se passou, numa tentativa de reconstituir a madrugada fatídica de 2 de Janeiro de 1985 e, quiçá, rectificar o seu testemunho e ajudar à libertação do irmão.

O que começa com uma forma rápida de fazer algum dinheiro para as despesas imediatas torna-se uma viagem alucinante, onde Libby vai descobrir acontecimentos que a sua mente infantil não conseguia compreender e levar à descoberta do que realmente aconteceu na noite em que perdeu a mãe e os irmãos.

Lugares Escuros está extremamente bem escrito, é cativante e adorei as divisões por capítulos e protagonistas, em que os narradores são alguns dos Day: Libby, Ben e Patty. Como thriller, é arrepiante e com reviravoltas impressionantes, como mistério, é surpreendente; a galeria de personagens é soberba. Recomendo.

A editora disponibilizou um excerto para abrir o apetite a quem ainda não leu Lugares Escuros (e não adiará por muito mais tempo, digo eu)

avaliação: ***** (muito bom)